terça-feira, 18 de maio de 2010

Turno 8 – O Hospital de dia

Hoje o dia foi mais alegre que ontem, já me senti mais à vontade, com grande desejo de aprender mais e a verdade é que o dia terminou literalmente assim, bem.
Permaneci durante o inicio do turno, no internamento, com a atribuição da mesma menina por quem ontem estava responsável nos cuidados e gosto muito dela, percebe bem o porque de estar ali, como fazer nas situações e é comunicativa o quanto baste, o que me facilita na relação com ela. Já realizei alguns procedimentos que ainda não tinha feito, o que me deixa contente e faz-me sentir útil nos cuidados, e ajuda a assimilar melhor o que fazer em cada situação.
Gostei muito do turno de hoje no internamento, foi muito útil e positivo para mim, aprendi bastante mais uma vez e depois no final ainda tive a oportunidade de passar pelo Hospital de dia, para assistir à colheita de medula óssea para realização de medulogramas, entre outras coisas. Foi uma experiência nova, diferente e positiva, pois permite-me ver um pouco “o outro lado”, de diagnóstico/controlo no doente oncológico, em meio ambulatório, ver crianças que já viramos internadas a vir fazer tratamentos e depois poderem regressar novamente a casa, etc. É um sentimento muito bom, ver que estão, no mínimo, com situações clínicas estabilizadas e podem regressar para onde pertencem, para junto das famílias, no seu lar.
Nos próximos turnos, em Hospital de dia e Bloco Operatório, tenho alguma expectativas, de forma a perceber a forma de actuar em ambulatório, procedimentos a realizar em cada criança, como se precede na colocação de cateteres, cuidados a ter em cada situação, etc. Aguardo estes turnos com alguma expectativa.

7º turno - "um dia estranho"

Foi um dia estranho, frustrante para mim. Sinto que estou muito pouco à vontade ainda, muitas vezes não sei resposta a algumas perguntas que me são feitas, outras sei a resposta mas derivado da minha insegurança que ainda tenho mais do que devia, não respondo bem, etc. e isto deixam-me pensativo. Como é que é possível eu, sendo aluno de 4º ano não estar já mais à vontade, poder ser "eu" realmente e mostrar que posso dar muito mais. Ainda não o consegui, não existiu ainda "aquele turno", em que agirei com a certeza e à vontade de um bom profissional. Tenho estudado e muito, investido muito tempo mas muitas vezes estando nervoso e com receio de fazer algo mal acabo por não o conseguir mostrar. De qualquer forma, sinto uma grande evolução na aquisição de conhecimentos, em que muito já tenho aprendido e cada turno saiu com nova lista de assuntos para estudar, histórias de vida para contar, sorrisos marcados e tristezas dificeis de "digerir", mas tudo isso faz parte de uma evolução que já era esperada por mim. Ainda mais quando sinto que, como já me tinham avisado, a nossa preparação na escola não é direccionada para a área oncológica, e a consequente carência de informação nessa area dificulta um pouco todo este processo de aquisição de conhecimentos, de investimento nos mesmos, que se torna assim, um investimento muito mais necessário e obrigatório.
Quanto às crianças, cada dia me sinto melhor junto delas, das suas familias, compartilhando as suas histórias que, por vezes, se torna já mais que necessário para obter um sorriso, embora isso nem sempre seja possível.
Aconteceu uma situação estranha hoje e que assumo, fez-me sentir realmente mal. A situação passou-se com um elemento da equipa de enfermagem e isso ainda me deixou mais desconfortável pois sei bem e, sempre o soube, quais são os meus direitos e os meus deveres enquanto aluno e enquanto pessoa e, isso ninguem me poderá decerto apontar, mas ao chamarem-me "mal-educado" indirectamente por não ceder a minha cadeira na passagem de turno, visto que existiam mais 3 cadeiras disponíveis, deixou-me um pouco decepcionado.
Mas pronto passou e a verdade é que vim para este estágio com vários objectivos, de várias indoles e, dessa forma, tenho de me centrar nisso e nas crianças que me rodeiam ali, me dão alegria e sorrisos e me fazem aprender com eles todos os dias.

domingo, 16 de maio de 2010

Um dia de decisões

Este está a ser um dia complicado, muiiito complicado em relação a algumas decisões...começou ontem com a distribuição de algumas fitas de curso, o que já de si me trás alguma nostalgia e depois o inicio da conversação com a mãe e irmão acerca da escolha de quem será meu padrinho/madrinha de curso. Claro que já pensei na possibilidade de algumas pessoas mas por uma razão ou outra não acho que devam ser. Apercebi-me que já tinha a resposta de quem deveria ser, eu tinha essa resposta, era a minha avó paterna, umas das pessoas que mais contribuíu para eu estar onde estou, uma pessoa que tem muita responsabilidade na pessoa que sou, na que fui e na que serei. Devo-lhe muita coisa da minha pessoa, do meu "ser" enfermeiro e nada me dava mais prazer do que ser ela a assinar a minha fita de madrinha e ir comigo queimar, mas só existe um problema...ela já partiu e não está fisicamente entre nós.
Diz a minha mãe hoje, quando lhe contei "pois filho mas quanto a isso infelizmente já nada podemos fazer" mas notei que ficou sensibilizada com o gesto que lhe falara. Isso foi comprovado à pouco quando no msn me voltou a falar da situação "ela certamente onde está ficará muito orgulhosa de ti...:'( "
Eu sei que está, sei mesmo que será das pessoas que mais orgulho em mim sempre teve e tem, que sei que está comigo sempre que tenho precisado e sempre que precisarei e que, mesmo não a vendo estará comigo naquele dia, ao meu lado e terei dessa forma dois padrinhos, é um dos meus anjos da guarda. E aqui fica o convite para ela, por escrito, além do falado e pensado que há muito ela o sabe.
Fica ainda a duvida de quem fisicamente deverá tomar o seu lugar....e a decisão terá de ser breve que o dia aproxima-se...

O que eu gostava de te ter ao meu lado, de te ter tido ao meu lado nestes ultimos 9 anos, a partilhar comigo alegrias, tristezas, sorrisos, lágrimas e veres-me crescer, entrar para um curso que tanto te dizia e decerto terias ficado contente que eu entrasse. Faço o que faço um pouco por tua culpa, como forma de fazer o que nunca na altura fazer por ti...Adoro-te ;')
Saudades tuas...e tanta falta me fazes avó Arlete...

sábado, 15 de maio de 2010

O 6º turno - "Uma viragem"

Foi o meu sexto turno no serviço, uma noite e como todas elas, foi muito longa, deu para muita coisa e apesar do cansaço, fico feliz que tenha dado para tanta coisa. Aprendi muito nesta noite, desde muitas coisas que fiquei de estudar para o turno de hoje, que junto da enfermeira assimilei e acrescentei mais algumas coisas que faltaram, a outros conhecimentos que fui adquirindo ao longo do turno.
Saí realmente esgotado do turno, feliz mas esgotado, foram dois dias intensos de estudo e depois culminar com o turno longo trouxe muitos beneficios para mim, já que aprendi bastante mas a verdade é que cansou bastante. A nível de contacto com as crianças/adolescentes e familias, como foi um turno da noite, não aconteceu muito, nem aconteceram situações que me levem a reflectir muito, embora haja sempre algo que me deixe mais pensativo. Foi o caso de uma menina nova, que regressou ao serviço à dois dias. Eu não a conhecia, ouvira falar dela mas ainda não a conhecia. Foi hoje que isso aconteceu, conheci-a e pareceu-me uma miúda muito corajosa (como não poderia deixar de ser, após tanto tempo de tratamentos) e consciente do que se passa com ela. Fico muito feliz que, mais uma vez tenha tido oportunidade de conhecer mais uma criança com esta coragem, que tanto tem passado mas mantem uma força imensa e determinação com vista a lutar contra algo que não se pode fugir para já.
O menino com que fiquei, o herói de quem falei no ultimo turno, ali estava, como o tenho visto, calmo e a descansar. Só acordou no final do turno e estava assustado por era por uma razão menos boa, uma colheita de sangue. Embora não lhe doesse ele não sabia ao certo para que era que ali estávamos e eramos os "de branco", logo ainda significa para ele sofrimento. Ainda não cortou o cabelo, algo que a mãe tinha pensado em fazer hoje. Estava já à espera de o ver com o cabelo um pouco cortado mas a verdade é que ainda não foi hoje que esse passo aconteceu. Deve ser realmente um ponto de viragem dificil de dar e de viver, porque inicia psicológicamente uma fase dificil da vida, marca visivelmente o que vai acontecer, tratamentos duros e prolongados.
A verdade é que hoje reparei e dei valor a uma coisa, que já vira, já tinha pensado mas hoje foquei com alguma maior atenção. As familias, os acompanhantes, que durante todo este processo doloroso para os filhos/netos/sobrinhos, mas não menos para eles, os acompanham diáriamente, que no caso do acompanhante oficial fica junto deles 24 horas do dia, a dormir, comer, tomar banho num sitio completamente estranho (que com o tempo, infelizmente, deixa de o ser), a conviver com pessoas que não conhecem, a dormir (quando dormem) em sofás que por muito confortáveis que possam ser, não têm o conforto da sua cama, do seu lar. Claro que se evita ao máximo que a mudança da criança/adolescente e familia, se dê de forma brusca, tentando manter o conforto de um lar, com espaço próprio para cadaum com tudo a que têm direito, mas a verdade é que isso não é possível na totalidade. Depois de ter pensado nisso, pude ver que uma doença oncológica numa criança, é uma doença que fisicamente está presente na criança, mas muitas das vezes as familias, os seus apoios, não sofrem menos que elas, acredito que sofrem com praticamente a mesma intensidade, tratamentos e internamentos prolongados, com as suas vidas em stand-by esperando poder ver bem quem mais gostam. É isto, situações destas, ligações assim que nos distinguem de muitos dos restantes animais, a sensibilidade, a dedicação ao outro que nos é tanto...a humanização.
Resumindo, foi um turno cansativo, muito cansativo, mas muito positivo, permitiu-me aprofundar conhecimentos, reflectir acerca de muitas coisas e dar valor a muitas delas.

"Sempre que se ouve um gemido de uma guitarra a cantar...fica-se logo perdido, com vontade de chorar..."

Estou tão longe, perto da familia mas longe dos que me são tanto, dos meus amigos. Receber mensagens é bom, tão bom mas infelizmente não chega, faltam os abraços, os olhares, os sorrisos e as histórias. Aquelas histórias que nos habituámos a escrever juntos, no dia-a-dia, em almoços, saídas e conversas irrepetíveis. Sei que estou a perder isso convosco nestes dias, nestas semanas e anseio pelo dia em que voltarei, em que possamos voltar a combinar coisas... Tenho tantas saudades de cantar convosco...saudades de tocar viola, bandolim, enfim...fazer música e de ouvi-la, ver a dedicação e o empenho de muitos e que tanto me preeenchem...
Sinto-me frio...estou a arrefecer e isso preocupa-me, o isolamento leva a isso, e estou isolado, demasiado concentrado num objectivo que me está a deixar assim, psiquiatricamente doente...com pouca força para enfrentar o dia seguinte...é brutal ver o quanto a falta do nosso ritmo, dos nossos amigos, da nossa segurança e partilha pode provocar tais situações de solidão interior...
Quero voltar para Évora...para o meu espaço...para a gente da minha terra...

quarta-feira, 12 de maio de 2010

5.º Turno – 11/05/2010 – “Super herói”






Foi já o 5º turno e sinto que estou ainda muito “verde”, é realmente um serviço exigente, muito exigente e o tempo parece nunca ser o suficiente para dar resposta a tudo o que lá é exigido. Sinto que tenho tanto para dar mas continuo a esforçar-me e sei que não é ainda o suficiente e que já devia saber mais e dar ainda mais de mim, se possível. Tenho aprendido tanto nestes turnos e estudado outro tanto em casa mas não tem sido fácil, nem o suficiente. Tenho adorado imenso este estágio e estava mesmo a precisar dele para me desenvolver como pessoa, como profissional e é impressionante o que se consegue interiorizar a cada turno.
Sinto que ainda tenho muito que provar, sei que ainda não confiam em mim totalmente e sou muito fechado no serviço, só consigo ser “eu” quando estou junto das crianças que são realmente a força inexplicável do serviço e são o meu interruptor, de resto ainda estou com receio, com receio de não saber dar resposta, de não saber estar ao nível pretendido. Mas sem dúvida, é um serviço de eleição e dos que melhor me tem feito e ainda mais em tão pouco tempo.
Hoje conheci um super herói…é verdade, mais um porque ali todos são, todas as crianças e todas as suas famílias. Mas a verdade é que este vinha identificado como tal e com a sua história não podia deixar de o ser. É-lo realmente e não sei como alguém como a sua mãe aguenta uma história de vida como a dela mas a verdade é que nós, seres humanos, não somos máquinas mas, por vezes, tal como nesta situação, a força vem de algum lado inexplicável, havemos decerto de ter algum reservatório escondido. Ver este miúdo, com uma história como a dele e da sua mãe apenas, mais uma vez, me faz sentir mínimos os meus problemas, como é que alguma vez me posso queixar de algumas coisas se existem pessoas que com situações bem mais graves têm uma força e alegria de viver incomparável.
O pequeno super-herói lá ficou calmo e relaxado, mesmo sabendo que está doente e que terá de ficar internado algum tempo e a sua mãe com atitudes de alguém que quer realmente ver o seu filho bem e que tudo fará para isso. Quem diz que os super-heróis não existem? Não acredito. Podem nem andar de fatos pretos com capa e máscara, podem não conseguir levantar rochas gigantes e deitar fogo pelas mãos, mas que existem existem, andam vestidos como toda a gente, respiram como toda a gente, riem e sofrem como toda a gente, mas têm uma força interior e uma coragem como poucos. Este menino é um deles, tal como todos os outros que já conheci neste serviço.
O D., pelo qual estou responsável na prestação de cuidados hoje não estava tão bem como o costumo ver e fiquei preocupado mas depois foi passando, ao longo do turno lá foi ficando mais bem-disposto e comunicativo, lançou alguns dos seus grandes sorrisos e das suas frases que fazem rir toda a gente e fiquei mais aliviado. Gosto realmente de o ver bem e tive a notícia que brevemente vai para casa, já bem merece um tempinho em casa junto de quem mais o quer bem, no seu “mundo”, no seu “canto seguro”.
Foi um turno muito cansativo, com mais umas muitas lições de vida que levo no livro da memória, mas alguma frustração por a título pessoal ainda não estar no nível que gostaria e seria de esperar. Mais de mim irei dar, sei que sim, sinto que ainda posso dar muito e farei por isso, espero que esteja certo e consiga fazê-lo da melhor forma.

domingo, 9 de maio de 2010

Chuva



As coisas vulgares que há na vida
Não deixam saudades
Só as lembranças que doem
Ou fazem sorrir

Há gente que fica na história
da história da gente
e outras de quem nem o nome
lembramos ouvir

São emoções que dão vida
à saudade que trago
Aquelas que tive contigo
e acabei por perder

Há dias que marcam a alma
e a vida da gente
e aquele em que tu me deixaste
não posso esquecer

A chuva molhava-me o rosto
Gelado e cansado
As ruas que a cidade tinha
Já eu percorrera

Ai... meu choro de moça perdida
gritava à cidade
que o fogo do amor sob chuva
há instantes morrera

A chuva ouviu e calou
meu segredo à cidade
E eis que ela bate no vidro
Trazendo a saudade

4º Turno – 09/05/2010 – “O reverso da medalha”

A verdade é que o turno não foi de todo fácil, foi exigente, comecei a preparar terapêutica, a envolver-me mais nos cuidados, fui questionado acerca de algumas coisas pela enfermeira e não saber responder a algumas foi o que me custou. Senti-me realmente frustrado em não saber dar resposta a algumas perguntas que para mim, já as devia saber mas, a verdade, é que não soube. Não há que mentir e dizer que sabia se realmente não o sabia, e agora assim que conseguir irei procurar a resposta ao que ainda não sei. Tenho estudado mas sinto que por muito que o faça, aqui não será nunca o suficiente porque é tudo tão novo e tão especifico que, ao pegar em algumas coisas, levantam-se logo mais dúvidas e como ainda não tinha tido nenhum doente a meu cuidado até ontem, isso era dificultado porque era uma vasta área de assuntos e não conseguia centrar-me em nada especifico. Agora já tenho conseguido fazê-lo, quero realmente conseguir dar resposta a todas estas exigências e estar preparado para prestar bons cuidados ao doente que, neste momento, me tenho atribuído e, ainda aos que, eventualmente tenha no futuro.
Assisti a uma punção lombar, algo que nunca tinha visto ao vivo até hoje, foi-me explicada muita coisa acerca da forma como se procedia, os cuidados a prestar, razões pelas quais se fazem mas muita coisa ainda fiquei de descobrir e espero conseguir fazê-lo.
Mais uma vez passei grandes momentos com o doente que me está atribuído, o menino D., e mais uma vez se provou que temos já uma grande relação , e é bom saber que ele está contente por me ter como “seu enfermeiro”. Com ele tenho aprendido muita coisa, descobri uma doença que desconhecia, necessita de cuidados que nunca tinha prestado nem assistido, e tem uma personalidade extraordinária, muito bem-disposto e divertido. Tem, sem dúvida um grande apoio dos pais, muito da mãe, que é quem está a maioria do tempo com ele e essa ligação é visível. São dos melhores momentos do dia, quando tenho oportunidade de estar com ele no quarto e ver como está, como se sente, etc.
O pior de tudo isto é que, como hoje, custa muito saber algumas informações relativas a ele, e à sua situação clínica e saber que vai fazer radioterapia, que terá como consequência, a possível cegueira bilateral, deixou-me admito, em choque. Eu já tinha calculado essa possibilidade mas como ainda não me tinha apercebido que iria mesmo fazer ainda não me debruçara bem sobre essa possibilidade. Custa-me mesmo imaginar aquela criança, que já a conheço minimamente, nessa situação. Seria sempre difícil de aceitar e seguir, fosse quem fosse que passasse por uma situação idêntica mas nestes casos ainda me deixa mais apreensivo. Sei, sei que é assim, que infelizmente para se conseguir um bem maior, como a vida, é necessário, nestes casos abdicar de outras coisas, como a visão no caso do D. mas não é de consciência tranquila que o faço, não é fácil aceitar embora se saiba o porquê, imagino o caso dos pais, da irmã, dele próprio quando se aperceberem. Mas obvio que o importante é que ele sobreviva e esteja com eles.
Resumindo, o turno foi difícil, assumo que sim, houve coisas muito boas, aprendi muito e trouxe muito trabalho de casa mas existiu então, o reverso da medalha, o facto de se saber de algumas situações menos boas e que isso me deixa apreensivo.

3º turno - "o dia D"

Eu sei que é tarde e que amanhã vou fazer manhã depois de agora ter saído de tarde, sei disso mas não queria ir deitar-me sem antes vir escrever o que aconteceu e senti hoje no serviço. Precisava de libertar para o computador tudo o que senti neste turno. Toda a miscelânea de sensações, de aprendizagem, de vida que trouxe para casa.
Vivi coisas más, digo mesmo que muito más mas, respirei alegrias e sorrisos, vi vida onde as pessoas apenas pensam haver morte, e vi o mundo parar no sorriso de algumas crianças.
Quero começar com o não diria menos bom (como gosto de dizer), mas sim, o mau do turno. Eu tinha a pergunta pendente na garganta durante estes dias e ela tinha que sair, enchi-me de coragem, virei-me para a enfermeira Paula e perguntei após a passagem de turno “então enfermeira…e o X?”. “Olha Mário, o X faleceu ainda na manhã, na 5ª feira, mas olha morreu descansado. Esperou para ver o irmão e partiu…”. Eu sabia, sentia que tinha a resposta mas precisava de ouvir, eu olhei para o quadro de doentes assim que cheguei e tive então a certeza. Custou-me muito ouvir, custou-me viver aqueles meros segundos que trouxeram uma resposta sabida mas necessária para mim. Eu sabia que ia contactar com situações destas, que teria de lidar com a morte de alguém que não teria nunca idade para ir mas que, por alguma razão, aconteceu. Mas sou realmente um ser humano e involuntariamente ligo-me sempre às pessoas, faz parte de mim. Sei que onde estou isso poderá fazer-me, como hoje, sofrer. Mas sou sincero, não quero mudar isso, sofrerei quando tiver de ser, espero que poucas vezes claro, mas a verdade é que acho que as crianças necessitam realmente de nós e ligar-me a elas tem, para mim toda a lógica, preciso disso para me dedicar de corpo e alma a elas, de me dar para poder ajudar e se para isso tiver de sofrer mais outras vezes…que seja. Acho que o balanço será positivo. O caso do X mais uma vez me comprovou que a nossa razão de viver são as pessoas que amamos e que nos dão vontade de viver e, até numa altura como a que temos de partir precisamos de nos despedir delas, com ele foi o irmão, alguém que ele precisava ver uma ultima vez para não ir sem se despedir. Eu posso relativizar as coisas ao dizê-lo mas sinto que estas situações não são ocasionais e acontecem porque o que nos liga e dá vontade de lutar e viver são muitas vezes quem amamos e isto, para mim, vêm dar-me razão .
Essa foi realmente a pior fase do dia. Não me esquecerei do X, jamais. De como chegou, como estava, o que dizia e como agia e fez-me como já disse no ultimo diário, relembrar situações do passado mas foi importante esta situação, aprendi, mais uma vez que ninguém é imune a nada e que mesmo crianças, jovens, podem passar por obstáculos de vida injustos e que nem sempre se vencem.
Mas a verdade é que neste turno retirei muito, mas muito mesmo de positivo, foi o turno em que realmente pude contactar verdadeiramente com as crianças, brincar com elas, falar com elas, resumindo, criar relações e ver como é que é que o serviço funciona “às claras”. E existiram entre todas, 2 crianças que me marcaram muito. Uma delas, felizmente até teve alta hoje e fiquei completamente enternecido com ela, foram precisos apenas uns momentos para criar uma excelente relação com ela e, a verdade é que passado um bocado, parecíamos já amigos há anos. Voltei com ela, a ser criança e era inevitável, aquele sorriso era contagiante, a felicidade de alguém como uma criança, que por ir para casa, para o seu lar, e podia ir comer “batatas às rodas e com riscas”. O que dizer a uma criança que se gostou tanto e que me diz “fica comigo!” ao meu colo e abraçada ao meu pescoço, antes de entrar no elevador e descer para onde é o seu lugar, a sua casa? Sei que apenas consegui pedir-lhe mais um beijinho e dar-lhe um em troca e apenas lhe dizer “Não posso, vou ter de ir trabalhar e tu tens de ir para a tua casa com a tua mãe!” e ela lá foi, com o seu belo sorriso. São estas situações que nos dão alegria, que me fazem sentir que estou realmente onde tinha de estar e espero que nunca me arrependa disso pois tem realmente valido a pena as horas de sono perdidas a estudar e o cansaço que inevitavelmente se acumula.
Foi o dia em que comecei a seguir mais de perto também a primeira criança a quem ficarei responsável por prestar cuidados de agora em diante. Juntamente com a enfermeira decidimos então por aquela que é outra criança que referia acima me ter marcado. Foi por ele que surgiu o titulo deste dia de estágio. Após muita brincadeira, muito riso e conversa surgiu o facto da letra “D” ser uma letra comum aos dois e ser já um dos elos de ligação entre nós, em que após falarmos acerca das letras do seu nome eu lhe ter falado que apesar de Mário ser o meu nome principal tinha como 2º nome um que também começava por D. E depois de lhe dizer que era Daniel ele disse-me “Ah então é a nossa letra” e isso ficou marcado na memória. Mais uma vez não sei como é possível, criar uma relação enfermeiro - criança de forma tão rápida e eficaz. A verdade é que aconteceu e muito aprendi com o meu novo amigo “D”, que é dos miúdos mais radiantes que conheci já no serviço, com uma boa disposição incrível, um sorriso realmente incomparável e com uma força tremenda.
É verdade que com estes miúdos se aprendem lições extraordinárias, se vivem histórias incomparáveis e sinceramente, estes três turnos foram realmente marcantes, inigualáveis. Acho que, a meu ver um estágio deste género era indispensável no curso. Não quero dizer que toda a gente deve-se vir para uma pediatria, percebo e agora ainda mais que exista quem não consiga passar por um serviço assim, não que eu seja melhor ou pior que alguém, até porque eu próprio ainda estou no inicio e a exigência é e será sempre grande tanto pelas situações, pela teoria, pela enfermeira e por mim também, que muito de mim exijo mas tem de ser assim, mas sim porque, como eu tenho e assumo, pontos fracos e não conseguiria passar por alguns serviços, percebo que nem toda a gente conseguisse passar por um serviço como este da pediatria oncológica.
Sinto-me ainda muito perdido, sem uma direcção específica, pois é muita coisa a acontecer, muito para assimilar e parece nunca haver tempo suficiente para tal. De qualquer forma, quero muito, muito mesmo aprender mais, quero crescer e continuar a ver e aprender com aquelas lições de vida dadas por gente de palmo e meio e outros maiores que eu até, mas que tanto têm para dar. É realmente o serviço ideal e que me faltava para colmatar o que me faltava neste curso até ao momento, como profissional e, sem dúvida, como pessoa.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

2º Turno..."A Realidade"

Foi o meu 2º turno verdadeiramente, embora entenda como tendo sido o meu primeiro, pois foi quando, realmente contactei com as crianças minimamente, prestei cuidados, assiti a situações "complicadas", resumindo...vivi e respirei realmente um pouco do serviço de pediatria do IPO.
Não consigo explicar bem por palavras porque só quem passa e sente é que pode perceber o que digo, mas posso dizer que foi um turno em que percebi o quão duro e exigente pode ser um serviço mas senti o quanto quero dar de mim a este estágio, a estas crianças, a este serviço, que tanto terão para me dar também em troca, mesmo sem saberem.
Foi um turno extraordinário, em que em 10 horas aprendi mais de oncologia do que em 3 anos e meio de curso até agora. Percebi que pouco ou nada sabia acerca disto e o que já sabia era algo que tinha aprendido à minha custa, por razões pessoais. Aprendi muito acerca de terapêutica, muitos cuidados que vou ter de prestar e que até hoje não contactei, e a titulo pessoal...já posso dizer que aprendi qualquer coisa importante. A enfermeira Paula mostrou-se realmente disponivel para mim e muito me ajudou neste primeiro turno, em que assumo, estava com receio de não correr bem, de que este primeiro turno corresse realmente mal. Mas não, pelo contrário, retiro um balanço muito positivo deste turno.
Verifiquei, juntamente com a enfermeira como se preparava alguma da terapêuta, algumas especificidades, como se procediam em algumas situações, como se processa o serviço.
O ponto mais marcante da minha noite deu-se com a chegada de uma urgência, do X que é um menino com, meramente 16 anos, em cuidados paliativos e sei que quando para ele olhei à chegada, me pareceu estar a reviver algo pela qual já tinha passado com uma amiga minha no passado, quando padecia de Leucemia, pois a verdade é que apesar dos seus 16 anos, o X até parece mais velho. Isto não invalida que apesar da sua idade pude ver nos seus olhos a consciencia do que lhe estava a acontecer, via-se o medo misturado com a vontade de encarar a situação. Mas via-se que estava fraco, que não era apenas fisico, senti que o cansaço já era um cansaço crónico, da situação da doença que à tanto se prolonga e lhe tem retirado tanto. O X está em cuidados paliativos e sabe-lo, estava em casa para estar no seu lar, estável mas naquele dia não correu bem, precisou de recorrer e vi-o sofrer...vi o seu mal-estar, o seu sofrimento, a sua ansia por respirar e não conseguir e ele sabia do que era, sabia do que precisava. "dêem-me sangue por favor...dêem-me sangue" pedia ele...e ele sabia que as perdas que tinha tido com as fezes era sangue que precisava, já precisava de transfusão e ele sabia-o, sentia-o e pedia por não saber mais o que fazer. Eu vi o X assim e não posso ser impustor, custou-me mas não o queria demostrar a ele nem à mãe. Sou ser humano, sei que era impossivel alguém não sentir nada perante a situação mas à frente dele e com aquela farda desempenho um papel que não me quero esquecer, sou algo mais que humano, sou alguém que está ali para ajudar na situação de doença no que puder, sou enfermeiro e sei o que isso ali significa, a importância que os enfermeiros têm para aqueles meninos e meninas, que estamos ali para o bem e vemos muitas vezes o mal também. E embora custe assistir ao sofrimento de crianças e familias, temos de tentar servir um pouco de pilar e ajudando como podemos, auxiliá-los.
Eu sei, tenho total certeza de uma coisa e neste turno tive a prova disso. Eu sempre, em 3 anos e meio de curso senti que nos estágios cresci e aprendi muito a titulo profissional e, inevitavelmente, pessoal mas neste estágio sei, sinto que será a oportunidade para o salto, espera-me sofrimento, dor, reflexão, aprendizagem mas no fim sei que terei crescido muito, será impossivel que não aconteça. A individualidade de cada ser ali no serviço ainda está bastante mais marcada, cada criança, mãe, pai, avó, tia, etc. tem caracteristicas e formas de sofrer muito diferentes e próprias. Terei de além de conhecimento para prestar cuidados, desenvolver formas de lidar com cada pessoa, com cada familia e isso será essencial para me desenvolver como enfermeiro e, como pessoa claro.
Resumidamente, foi um turno duro, foi, aprendi muito, muito sei que tenho para aprender e quero-o, sinto-me muito motivado e espero que embora seja algo exigente consiga dar resposta a tudo o que me for exigido. Quero realmente dar o melhor de mim e espero puder ajudar...quero mesmo. Será uma longa estrada mas acho que no final a recompensa pessoal será enorme, a humanização inevitavel que se trás de um serviço como este, em que as lições de vida são constantes e marcam o livro da memória para sempre...

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O 1º dia - O Mundo Novo




Pois é, não poderia deixar de ser assim, tinha e precisava de vir aqui escrever a minha experiência de 1º dia no IPO, no serviço de pediatria. Foi diferente, muito diferente do que esperava... o porquê?não o sei explicar... Inicialmente fui muito bem recebido pela enfermeira chefe, a Enf.ª Elsa, a ela o meu obrigado. Depois o serviço foi-me apresentado por outra enfermeira Filipa, que também se mostrou disponivel na altura. Depois disto fiquei até ao final do turno olhando para protocolos, sem almoçar sequer e muito nervoso. Muito nervoso porque era tudo novo, nervoso porque me senti perdido e desamparado e dos nervos nem falava com ninguém mas anseava que alguém como habitualmente fazem, pusesse conversa comigo. O estranho? ninguém pôs...fui transparente...até para aquela que em igual cirscunstância se encontra, uma aluna que nem bom dia me disse, nem me tentou ajudar em nada...estranho vindo de alguém que em nada é do que eu. E assim foi, até depois da hora de almoço quando uma das enfermeiras realmente me dá alguma conversa que aproveito para falar mas foi tudo momentâneo e voltou o silêncio até a Enf.ª Elsa regressar da reunião e voltar a falar comigo. Enfim...estranho visto que elas entre elas mostravam ter uma excelente relação, não me terem falado e tentado fazer senti bem. Pelo menos é assim que tenho sido quase sempre recebido noutros locais de estágio.
Mas não foi tudo mau, pequenas coisas fizeram valer a pena todo o turno. Quando me apresentaram o serviço poucas eram as crianças acordadas, mas havia um que me marcou, foi a primeira criança que vi ao vivo em situação de doença crónica e ao contrário do que pensava...não custou, não no sentido em que não senti pena, vi no seu olhar um estado de alguém que sabe que está doente mas não liberta as amarras da saúde de uma criança que como todas as outras sabe que merece viver. A enf.ª perguntou se estava bom e ele com a cabeça acena e diz que sim. Gostei...gostei mesmo de ver que não é como pensava, não tinha de sentir pena mas sim, posso e devo vê-las como crinaças normais, que apenas têm obstáculos na vida que as obrigam a crescer "um pouco" mais depressa. Uma menina que tem cuidados totais com os enfermeiros em que dei por mim a ir ter junto dela na sala quando as enfermeiras sairam e pude ser como sou, a pessos que sou e, à vontade falar e brincar com ela. É uma criança muito bonita e realmente me deu vontade ajudar e cuidar...mesmo e faz-me lembrar o meu estágio de pediatria o ano passado, porque tive uma criança a meu cuidado por circunstancias identicas embora até um pouco diferentes.
Foi estranho e ainda não percebi o porquê, mas senti algo mesmo estranho, uma forma de ver a vida, por parte de uma das enfermeiras, mas calculo de todas, em que são visivelmente pessoas muito doces mas têm inexplicavelmente alguma frieza no que dizem, como dizem...acho que será da necessidade de manter "a distância", aquela necessária a manter a sanidade mental em situações complicadas e será um tipo de escudo da parte delas. e digo isto porque até na apresentação do serviço me diz p.ex. "aqui estão as folhas de óbito...sim também acontece..."
e eu já sabia que acontecia, claro que sabia mas a forma como o disse, ou o tom em como disso foi-me um tom estranho depois de ver a forma como falava com as crianças...
Enfim...um mundo novo...uma experiência assustadoramente nova, tal a exigência teórica que é necessária...uma surpresa ainda demasiadamente recente para saber se positiva ou negativa...
Espero, quero e pretendo mesmo aprender muito ali, naquele serviço, com aquelas crianças. Espero estar à altura de alguém que pode contribuir positivamente para ajudar. Gosto de gostar e de me puder dedicar a quem de mim precisa. Espro mesmo puder ser útil e é para isso que vou trabalhar. Espero que ELE me ajude também, que juntamente com os meus amigos será certamente mais fácil...

E porque a doença oncológica não significa morte e porque a taxa de sobrevivência ainda é grande aqui deixei uma foto em cima que adorei e mostra a maioria das crianças internadas: com um sorriso na cara.


Abraços e beijinhos

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Enfim...aconteceu

Aqui estou eu...aconteceu...estava marcado que tinha de vir...e vim...
Cá estou, deitado sob uma cama desconhecida, a ouvir sirenes de transportes que não conduzo, pequeno numa cidade que não gosto, numa casa onde privacidade não reina nem anda nas palavras de quem cá habita...
223...é o meu quarto...meio...é onde me encontro...enfim, é estranho.
Muitas mudanças para um dia só, de cidade...de pessoas...
Ai pessoas como de vós gosto, como cada abraço, cada aperto de mão, cada beijo, cada olhar, cada palavra...me trouxeram alento, me deram força para seguir e vir para onde estou, fazer o que tem de ser feito porque senão ninguém o fará por mim e é por isso que estou em Évora...foi para isso que os meus pais me pagam e se matam a trabalhar, para que eu seja um enfermeiro bem sucedido...o minimo que lhes posso fazer é cumprir a minha parte do acordo e trabalhar, esforçar-me...ser feliz basicamente...
Mas sem as pessoas que comigo estiveram hoje e mais algumas que sabem quem são, isso não seria possível, são a minha força, o meu alento, o meu sorriso e o que me faz levantar de manhã todos os dias. A todos aqueles que são meus afilhados, formais ou não, a minha namorada, aos meus restantes amigos...como me disse a beluga, o afilhado andré, etc..."até já", "até amanhã"
Adoro-vos e sempre que pensar que tudo oscila pensarei em vós, ligarei sempre que puder, levo-vos comigo para todo o lado...
A
D
O
R
O
-
V
O
S