Eu sei que é tarde e que amanhã vou fazer manhã depois de agora ter saído de tarde, sei disso mas não queria ir deitar-me sem antes vir escrever o que aconteceu e senti hoje no serviço. Precisava de libertar para o computador tudo o que senti neste turno. Toda a miscelânea de sensações, de aprendizagem, de vida que trouxe para casa.
Vivi coisas más, digo mesmo que muito más mas, respirei alegrias e sorrisos, vi vida onde as pessoas apenas pensam haver morte, e vi o mundo parar no sorriso de algumas crianças.
Quero começar com o não diria menos bom (como gosto de dizer), mas sim, o mau do turno. Eu tinha a pergunta pendente na garganta durante estes dias e ela tinha que sair, enchi-me de coragem, virei-me para a enfermeira Paula e perguntei após a passagem de turno “então enfermeira…e o X?”. “Olha Mário, o X faleceu ainda na manhã, na 5ª feira, mas olha morreu descansado. Esperou para ver o irmão e partiu…”. Eu sabia, sentia que tinha a resposta mas precisava de ouvir, eu olhei para o quadro de doentes assim que cheguei e tive então a certeza. Custou-me muito ouvir, custou-me viver aqueles meros segundos que trouxeram uma resposta sabida mas necessária para mim. Eu sabia que ia contactar com situações destas, que teria de lidar com a morte de alguém que não teria nunca idade para ir mas que, por alguma razão, aconteceu. Mas sou realmente um ser humano e involuntariamente ligo-me sempre às pessoas, faz parte de mim. Sei que onde estou isso poderá fazer-me, como hoje, sofrer. Mas sou sincero, não quero mudar isso, sofrerei quando tiver de ser, espero que poucas vezes claro, mas a verdade é que acho que as crianças necessitam realmente de nós e ligar-me a elas tem, para mim toda a lógica, preciso disso para me dedicar de corpo e alma a elas, de me dar para poder ajudar e se para isso tiver de sofrer mais outras vezes…que seja. Acho que o balanço será positivo. O caso do X mais uma vez me comprovou que a nossa razão de viver são as pessoas que amamos e que nos dão vontade de viver e, até numa altura como a que temos de partir precisamos de nos despedir delas, com ele foi o irmão, alguém que ele precisava ver uma ultima vez para não ir sem se despedir. Eu posso relativizar as coisas ao dizê-lo mas sinto que estas situações não são ocasionais e acontecem porque o que nos liga e dá vontade de lutar e viver são muitas vezes quem amamos e isto, para mim, vêm dar-me razão .
Essa foi realmente a pior fase do dia. Não me esquecerei do X, jamais. De como chegou, como estava, o que dizia e como agia e fez-me como já disse no ultimo diário, relembrar situações do passado mas foi importante esta situação, aprendi, mais uma vez que ninguém é imune a nada e que mesmo crianças, jovens, podem passar por obstáculos de vida injustos e que nem sempre se vencem.
Mas a verdade é que neste turno retirei muito, mas muito mesmo de positivo, foi o turno em que realmente pude contactar verdadeiramente com as crianças, brincar com elas, falar com elas, resumindo, criar relações e ver como é que é que o serviço funciona “às claras”. E existiram entre todas, 2 crianças que me marcaram muito. Uma delas, felizmente até teve alta hoje e fiquei completamente enternecido com ela, foram precisos apenas uns momentos para criar uma excelente relação com ela e, a verdade é que passado um bocado, parecíamos já amigos há anos. Voltei com ela, a ser criança e era inevitável, aquele sorriso era contagiante, a felicidade de alguém como uma criança, que por ir para casa, para o seu lar, e podia ir comer “batatas às rodas e com riscas”. O que dizer a uma criança que se gostou tanto e que me diz “fica comigo!” ao meu colo e abraçada ao meu pescoço, antes de entrar no elevador e descer para onde é o seu lugar, a sua casa? Sei que apenas consegui pedir-lhe mais um beijinho e dar-lhe um em troca e apenas lhe dizer “Não posso, vou ter de ir trabalhar e tu tens de ir para a tua casa com a tua mãe!” e ela lá foi, com o seu belo sorriso. São estas situações que nos dão alegria, que me fazem sentir que estou realmente onde tinha de estar e espero que nunca me arrependa disso pois tem realmente valido a pena as horas de sono perdidas a estudar e o cansaço que inevitavelmente se acumula.
Foi o dia em que comecei a seguir mais de perto também a primeira criança a quem ficarei responsável por prestar cuidados de agora em diante. Juntamente com a enfermeira decidimos então por aquela que é outra criança que referia acima me ter marcado. Foi por ele que surgiu o titulo deste dia de estágio. Após muita brincadeira, muito riso e conversa surgiu o facto da letra “D” ser uma letra comum aos dois e ser já um dos elos de ligação entre nós, em que após falarmos acerca das letras do seu nome eu lhe ter falado que apesar de Mário ser o meu nome principal tinha como 2º nome um que também começava por D. E depois de lhe dizer que era Daniel ele disse-me “Ah então é a nossa letra” e isso ficou marcado na memória. Mais uma vez não sei como é possível, criar uma relação enfermeiro - criança de forma tão rápida e eficaz. A verdade é que aconteceu e muito aprendi com o meu novo amigo “D”, que é dos miúdos mais radiantes que conheci já no serviço, com uma boa disposição incrível, um sorriso realmente incomparável e com uma força tremenda.
É verdade que com estes miúdos se aprendem lições extraordinárias, se vivem histórias incomparáveis e sinceramente, estes três turnos foram realmente marcantes, inigualáveis. Acho que, a meu ver um estágio deste género era indispensável no curso. Não quero dizer que toda a gente deve-se vir para uma pediatria, percebo e agora ainda mais que exista quem não consiga passar por um serviço assim, não que eu seja melhor ou pior que alguém, até porque eu próprio ainda estou no inicio e a exigência é e será sempre grande tanto pelas situações, pela teoria, pela enfermeira e por mim também, que muito de mim exijo mas tem de ser assim, mas sim porque, como eu tenho e assumo, pontos fracos e não conseguiria passar por alguns serviços, percebo que nem toda a gente conseguisse passar por um serviço como este da pediatria oncológica.
Sinto-me ainda muito perdido, sem uma direcção específica, pois é muita coisa a acontecer, muito para assimilar e parece nunca haver tempo suficiente para tal. De qualquer forma, quero muito, muito mesmo aprender mais, quero crescer e continuar a ver e aprender com aquelas lições de vida dadas por gente de palmo e meio e outros maiores que eu até, mas que tanto têm para dar. É realmente o serviço ideal e que me faltava para colmatar o que me faltava neste curso até ao momento, como profissional e, sem dúvida, como pessoa.
Vivi coisas más, digo mesmo que muito más mas, respirei alegrias e sorrisos, vi vida onde as pessoas apenas pensam haver morte, e vi o mundo parar no sorriso de algumas crianças.
Quero começar com o não diria menos bom (como gosto de dizer), mas sim, o mau do turno. Eu tinha a pergunta pendente na garganta durante estes dias e ela tinha que sair, enchi-me de coragem, virei-me para a enfermeira Paula e perguntei após a passagem de turno “então enfermeira…e o X?”. “Olha Mário, o X faleceu ainda na manhã, na 5ª feira, mas olha morreu descansado. Esperou para ver o irmão e partiu…”. Eu sabia, sentia que tinha a resposta mas precisava de ouvir, eu olhei para o quadro de doentes assim que cheguei e tive então a certeza. Custou-me muito ouvir, custou-me viver aqueles meros segundos que trouxeram uma resposta sabida mas necessária para mim. Eu sabia que ia contactar com situações destas, que teria de lidar com a morte de alguém que não teria nunca idade para ir mas que, por alguma razão, aconteceu. Mas sou realmente um ser humano e involuntariamente ligo-me sempre às pessoas, faz parte de mim. Sei que onde estou isso poderá fazer-me, como hoje, sofrer. Mas sou sincero, não quero mudar isso, sofrerei quando tiver de ser, espero que poucas vezes claro, mas a verdade é que acho que as crianças necessitam realmente de nós e ligar-me a elas tem, para mim toda a lógica, preciso disso para me dedicar de corpo e alma a elas, de me dar para poder ajudar e se para isso tiver de sofrer mais outras vezes…que seja. Acho que o balanço será positivo. O caso do X mais uma vez me comprovou que a nossa razão de viver são as pessoas que amamos e que nos dão vontade de viver e, até numa altura como a que temos de partir precisamos de nos despedir delas, com ele foi o irmão, alguém que ele precisava ver uma ultima vez para não ir sem se despedir. Eu posso relativizar as coisas ao dizê-lo mas sinto que estas situações não são ocasionais e acontecem porque o que nos liga e dá vontade de lutar e viver são muitas vezes quem amamos e isto, para mim, vêm dar-me razão .
Essa foi realmente a pior fase do dia. Não me esquecerei do X, jamais. De como chegou, como estava, o que dizia e como agia e fez-me como já disse no ultimo diário, relembrar situações do passado mas foi importante esta situação, aprendi, mais uma vez que ninguém é imune a nada e que mesmo crianças, jovens, podem passar por obstáculos de vida injustos e que nem sempre se vencem.
Mas a verdade é que neste turno retirei muito, mas muito mesmo de positivo, foi o turno em que realmente pude contactar verdadeiramente com as crianças, brincar com elas, falar com elas, resumindo, criar relações e ver como é que é que o serviço funciona “às claras”. E existiram entre todas, 2 crianças que me marcaram muito. Uma delas, felizmente até teve alta hoje e fiquei completamente enternecido com ela, foram precisos apenas uns momentos para criar uma excelente relação com ela e, a verdade é que passado um bocado, parecíamos já amigos há anos. Voltei com ela, a ser criança e era inevitável, aquele sorriso era contagiante, a felicidade de alguém como uma criança, que por ir para casa, para o seu lar, e podia ir comer “batatas às rodas e com riscas”. O que dizer a uma criança que se gostou tanto e que me diz “fica comigo!” ao meu colo e abraçada ao meu pescoço, antes de entrar no elevador e descer para onde é o seu lugar, a sua casa? Sei que apenas consegui pedir-lhe mais um beijinho e dar-lhe um em troca e apenas lhe dizer “Não posso, vou ter de ir trabalhar e tu tens de ir para a tua casa com a tua mãe!” e ela lá foi, com o seu belo sorriso. São estas situações que nos dão alegria, que me fazem sentir que estou realmente onde tinha de estar e espero que nunca me arrependa disso pois tem realmente valido a pena as horas de sono perdidas a estudar e o cansaço que inevitavelmente se acumula.
Foi o dia em que comecei a seguir mais de perto também a primeira criança a quem ficarei responsável por prestar cuidados de agora em diante. Juntamente com a enfermeira decidimos então por aquela que é outra criança que referia acima me ter marcado. Foi por ele que surgiu o titulo deste dia de estágio. Após muita brincadeira, muito riso e conversa surgiu o facto da letra “D” ser uma letra comum aos dois e ser já um dos elos de ligação entre nós, em que após falarmos acerca das letras do seu nome eu lhe ter falado que apesar de Mário ser o meu nome principal tinha como 2º nome um que também começava por D. E depois de lhe dizer que era Daniel ele disse-me “Ah então é a nossa letra” e isso ficou marcado na memória. Mais uma vez não sei como é possível, criar uma relação enfermeiro - criança de forma tão rápida e eficaz. A verdade é que aconteceu e muito aprendi com o meu novo amigo “D”, que é dos miúdos mais radiantes que conheci já no serviço, com uma boa disposição incrível, um sorriso realmente incomparável e com uma força tremenda.
É verdade que com estes miúdos se aprendem lições extraordinárias, se vivem histórias incomparáveis e sinceramente, estes três turnos foram realmente marcantes, inigualáveis. Acho que, a meu ver um estágio deste género era indispensável no curso. Não quero dizer que toda a gente deve-se vir para uma pediatria, percebo e agora ainda mais que exista quem não consiga passar por um serviço assim, não que eu seja melhor ou pior que alguém, até porque eu próprio ainda estou no inicio e a exigência é e será sempre grande tanto pelas situações, pela teoria, pela enfermeira e por mim também, que muito de mim exijo mas tem de ser assim, mas sim porque, como eu tenho e assumo, pontos fracos e não conseguiria passar por alguns serviços, percebo que nem toda a gente conseguisse passar por um serviço como este da pediatria oncológica.
Sinto-me ainda muito perdido, sem uma direcção específica, pois é muita coisa a acontecer, muito para assimilar e parece nunca haver tempo suficiente para tal. De qualquer forma, quero muito, muito mesmo aprender mais, quero crescer e continuar a ver e aprender com aquelas lições de vida dadas por gente de palmo e meio e outros maiores que eu até, mas que tanto têm para dar. É realmente o serviço ideal e que me faltava para colmatar o que me faltava neste curso até ao momento, como profissional e, sem dúvida, como pessoa.
Sabes porque?
ResponderEliminarPorque as crianças sabem ver nos olhos das pessoas quem elas são, atravez dos gestos dos sorrisos. E sabem sempre retribuir tudo aquilo que fazemos po elas.
GRANDE ABRAÇO